Formações oníricas são modos de pensar em nossas preocupações capaz de favorecer a inspiração
por Deirdre Barrett
Há muito tempo os teóricos vêm tentando explicar a razão dos sonhos. Sigmund Freud mostrou que essas formações psíquicas expressam basicamente desejos reprimidos, ou seja, impulsos sexuais infantis e agressivos, e podem ser um caminho privilegiado para instâncias da mente às quais não costumamos ter acesso. Há também casos em que elas nos ajudam a elaborar vivências traumáticas ou situações relacionadas a disputas narcisistas, podendo surgir como compensação de sentimentos de inferioridade – o que também se enquadraria na satisfação de desejos. Recentemente, médicos e psicólogos propuseram que os sonhos simulam ameaças ou ajudam a consolidar memórias – hipóteses que não põem em xeque a genialidade das constatações freudianas. Nenhuma teoria, porém, é suficientemente abrangente para dar conta de tantas nuances que caracterizam alguns sonhos. Exatamente como nosso pensamento oscila entre reminiscências, planejamento, reflexão etc., quando acordados, o sonho também engloba vários desdobramentos.
Antigos teóricos acreditavam que nos lembrávamos de tudo o que sonhávamos – algo que hoje sabemos não ser verdade. Várias hipóteses propunham que as pessoas sonhavam apenas quando alguma situação específica disparava um conjunto de sensações distintas – desejo sexual, por exemplo, ou ego ferido. Nos anos 50, no entanto, estudos inovadores realizados por Eugene aserinsky e Nathaniel Klietman, ambos da Universidade de chicago, mostraram que sonhamos muito mais do que provavelmente conseguimos recordar. Os dois pesquisadores descobriram que o sono é formado por ciclos de aproximadamente 90 minutos – cada um com um período de rápido movimento ocular (REM, na sigla em inglês) e intensa atividade cerebral.
Quando as pessoas são despertadas perto do fim do período REM, elas se referem, em média, a cinco sonhos por noite. A discrepância entre os relatos daqueles que foram despertados logo depois da fase REM e de outros acordados mais tarde levou os cientistas a concluir que os sonhos quase sempre acompanham essa etapa do sono, mesmo que as pessoas não se lembrem deles pela manhã.
Nas duas últimas décadas, a tomografia de emissão de pósitrons (pET, na sigla em inglês) permitiu visualizar áreas do cérebro mobilizadas durante o sonho. Uma das coisas que os especialistas notaram num primeiro momento foi que durante o sono é mais fácil “ligar” e “desligar” certas áreas neurais que outras. Partes do córtex associadas a imagens visuais e percepção do movimento são ativadas até mais fortemente que quando estamos acordados, assim como acontece com certas regiões profundas do cérebro associadas à emoção. Em contraposição, o córtex pré-frontal dorsolateral é menos solicitado durante o sono e está mais associado à ação volitiva e à capacidade de avaliar o que é lógico e socialmente apropriado. Os resultados das tomografias se ajustam bem às características dos sonhos. Relatos de experiências oníricas quase sempre apresentam imagens associadas a movimento. As descobertas a respeito das regiões préfrontais estão em perfeito acordo com a ideia de que nos sonhos há “menos censura” – não só no sentido da repressão da sexualidade e dos impulsos agressivos, mas também na filtragem de cenários que parecem ilógicos ou anormais.
Uma mãozinha para os sonhos
Sonhar intencionalmente com determinado problema – processo chamado de incubação – aumenta as chances de vislumbrarmos pistas para resolvê-lo. O termo “incubação” foi tomado por empréstimo de antigas práticas gregas executadas no templo de Esculápio (ou Asclépio), onde, em sonho, os doentes buscavam curar suas enfermidades. A psicologia occidental sugere que podemos procurar interferir nesse processo de forma consciente seguindo alguns passos:
1) Na hora de dormir, escreva resumidamente a questão que o aflige, de preferência numa frase curta, e coloque a anotação perto da cama. Mantenha também papel e caneta – e até uma lanterna ou luminária – ao lado dela.
2) Imagine-se sonhando com a situação que deseja resolver, acordando e anotando tudo num papel. Recapitule o problema por vários minutos antes de se deitar.
3) Já deitado, pense no problema que quer resolver, se possível evocando uma imagem concreta, uma cena.
4) Enquanto começa a adormecer, repita para si mesmo que quer sonhar com essa questão.
5) Ao despertar, permaneça imóvel por alguns segundos antes de se levantar. Tente se lembrar de ter sonhado e recapitule ao máximo os detalhes do sonho.
6) Escreva tudo de que se lembrar. Primeiro registre as palavras-chave que expressem o que for mais importante, depois inclua outras informações.
UMA DICA: Se quiser adotar um procedimento mais elaborado, disponha objetos relacionados ao problema na mesinha de cabeceira ou na parede em frente à cama (se estiver em dúvida sobre um relacionamento, por exemplo, use uma foto da pessoa com quem está envolvido). Mais que a presença desse tipo de objeto, o ritual e a concentração ajudam a estabelecer o foco de atenção.
Pesquisas mostram que em breve as pessoas aprenderão a dirigir produções psíquicas – e, por que não, também bioquímicas – para encontrar soluções. Afinal, dois Prêmios Nobel se inspiraram assim. Mas se você decidir deixar seu cérebro ressonando em paz, preste atenção: depois de adormecer, é muito provável que o estado alterado de consciência já esteja trabalhando a todo vapor. Mesmo que você não perceba.