sábado, 14 de janeiro de 2012

Inteligência emocional não é tudo

O americano que popularizou um dos conceitos mais inovadores da psicologia diz que suas ideias foram distorcidas e banalizadas


INDULGÊNCIA, NÃO O americano Daniel Goleman, que popularizou o conceito de inteligência emocional. Ele não  acha que simpatia basta para obter sucesso:  “O esforço é fundamental”  (Foto: divulgação)

Há 16 anos, quando lançou o livro Inteligência emocional, Daniel Goleman, de 65 anos, transformou a área de psicologia nas empresas, ao contrariar a ideia de que o Q.I. era a melhor maneira de testar as habilidades humanas. No livro, Goleman popularizou a tese de que o talento para cativar colegas de trabalho e motivar equipes é tão ou mais importante que habilidades cognitivas, como memória ou talento para a resolução de problemas. Partindo dessa premissa, as principais companhias do mundo adotaram o conceito para criar ambientes de trabalho mais agradáveis e menos agressivos – e as famílias passaram a olhar com otimismo para o garoto ruim de matemática, mas excelente em fazer amigos. Hoje, Goleman afirma que o conceito de inteligência emocional ganhou uma conotação indulgente e preguiçosa. “Basta entrar na internet para ver como há especialistas vendendo a ideia errada sobre o assunto”, disse Goleman a ÉPOCA. “As pessoas passaram a acreditar que a habilidade para se relacionar encobriria qualquer falha técnica.” A seguir, a entrevista com ele.

O Q.I. é muito importante
para conquistar um emprego. A inteligência emocional é fundamental para crescer na profissão

ÉPOCA – Por que o senhor diz que as pessoas não entenderam o conceito de inteligência emocional?
Daniel Goleman –
Existe muito especialista vendendo a ideia errada sobre a habilidade de usar as emoções a seu favor e de compreender as outras pessoas. Não me atrevo a citar nomes, mas basta você entrar na internet para ver como existem equívocos sobre esse assunto. Essas pessoas dizem que a inteligência emocional é responsável por 80% do sucesso. Mas, na realidade, isso não é verdade. Elas estão distorcendo o conceito e suas implicações na carreira e na vida pessoal. Estão manipulando os dados das pesquisas que usei em meu livro Inteligência emocional, de 1995, que colocou o termo em voga. A inteligência emocional não é tudo.

ÉPOCA – Qual é sua verdadeira importância?
Goleman –
Os pesquisadores concluíram que o quociente intelectual (Q.I.), uma medida das habilidades de raciocínio, é responsável por algo entre 10% e 20% do sucesso profissional. Isso significa que os outros 80% são influenciados por diversos fatores, como o tipo de formação, o apoio da família e até a sorte. A inteligência emocional está nesse bolo também, é só mais um elemento do grupo. É uma grande bobagem achar que ela resolve tudo. Mas, como as pessoas precisam acreditar em maravilhas, apegam-se a isso.

ÉPOCA – Por que esse conceito se tornou atraente?
Goleman –
A inteligência emocional é uma habilidade que pode ser aprimorada. As pessoas podem aprender a controlar suas emoções. É um conforto saber que essa forma de inteligência, apontada como fundamental para se tornar um alto executivo, é algo que você pode controlar, que depende do seu esforço. O Q.I. é uma inteligência genética, imutável. Uma pessoa de baixo Q.I. será sempre uma pessoa de baixo Q.I. Por isso, com base no conceito de inteligência emocional, podemos pensar que nem tudo está perdido caso não sejamos privilegiados com um alto Q.I.. Esse pensamento tem um fundo de verdade e nos permite ter mais esperança – mas não pode ser usado como consolo para tudo.

ÉPOCA – Dizer que o Q.I. é tão importante e imutável não soa como discriminação?
Goleman –
O Q.I. importa muito para saber que carga de complexidade podemos assumir em nosso emprego. Um alto executivo ou um físico normalmente precisam ter um Q.I. mais elevado. A inteligência emocional só entra em cena depois, quando esses profissionais já conquistaram um emprego e se firmaram desempenhando suas funções. Nesse estágio, a inteligência emocional – a maneira como eles vão encarar as tarefas e lidar com seus chefes e subalternos – se torna importante para determinar o quanto mais eles subirão na carreira.

ÉPOCA – Então o conceito de inteligência emocional é usado para encobrir falhas em outros tipos de competência?
Goleman –
Sim, em alguns casos. Por exemplo: hoje sabemos que um aluno disléxico, com problemas para ler e escrever, pode ter notas baixas na escola por causa dessa dificuldade. Mas isso não significa que ele não terá sucesso na vida. Ele pode se tornar um profissional formidável na vida adulta por causa de seu traquejo social, de sua
perseverança e de sua capacidade de produzir fortes alianças, o que fará dele um homem de negócios brilhante. O problema é que costumam interpretar casos como esse de uma maneira preguiçosa, como se eles não tivessem de se esforçar para ter competências técnicas, de raciocínio. A inteligência emocional se encarregaria de trazer sucesso profissional. Ninguém vai longe única e exclusivamente por causa da inteligência emocional. Nunca disse isso.

ÉPOCA – O senhor quer dizer que o conceito de inteligência emocional deu a ilusão de que é possível vencer sendo preguiçoso?
Goleman –
É importante deixar claro que esse conceito não é desculpa para a preguiça. Quem o conhece bem sabe disso. Alguém emocionalmente inteligente tem quatro características básicas: traquejo social, autoconhecimento, empatia e, acima de tudo, perseverança. Nas empresas, o conceito de inteligência emocional virou moda, e isso não trouxe consequências negativas. Pelo contrário: ajudou a criar ambientes mais agradáveis e produtivos. Pelo que tenho observado nos Estados Unidos, em países da América Latina, Europa e Ásia, os executivos são contratados, quase sempre, por seu talento e inteligência, mas na maioria das vezes são demitidos por problemas de relacionamento. Poucas vezes por incompetência. As empresas especializadas em recrutamento têm procurado saber, nas demissões por problemas de comportamento, o que exatamente causou a demissão, para não cometer o mesmo erro nas próximas indicações de profissionais.

ÉPOCA – Mas privilegiar um funcionário com mais traquejo social do que capacidade intelectual não acarreta queda de produtividade?
Goleman –
As empresas não estão abrindo mão da inteligência e do talento em nome da boa convivência. Elas estão aliando bem os dois conceitos. Sabem que, se compararem duas pessoas com o mesmo Q.I., mas com diferentes quocientes emocionais, certamente o profissional mais agradável e controlado irá mais longe. O que faz um profissional inteligente se tornar brilhante é o fato de saber cativar os outros, ser um líder que motiva.

ÉPOCA – Esse é um aprendizado que deve começar cedo?
Goleman –
Acredito piamente nisso. Não vejo o controle de emoções como algo negativo. Não se trata de tolher ninguém, mas de ensinar como lidar com emoções que existem. Conceitos como autocontrole, senso de responsabilidade e o desenvolvimento da autoestima podem ser ensinados tanto a uma criança de 8 anos quanto a um adolescente de 16 anos. Tenho visto instituições que já começam a ensinar esses conceitos na pré-escola e acho isso formidável. É uma ótima fase para se incutir esses pensamentos. Há programas para encaixar essa matéria na grade curricular normal e não leva mais de uma semana para os professores aprenderem a ensinar os alunos. Mas essas escolas são minoria. Ainda não dá para imaginar que a inteligência emocional vá ser ensinada com matemática ou idioma pátrio.

ÉPOCA – Muitos especialistas justificam a ascensão das mulheres no mercado de trabalho porque elas teriam mais inteligência emocional que os homens. Eles estão certos ou é outra distorção do conceito?
Goleman –
Estudos têm mostrado que as mulheres têm maior inteligência emocional que os homens, mas não sei até que ponto isso é verdade. É preciso tomar cuidado com generalizações. As pesquisas sugerem que as mulheres têm habilidades como empatia mais desenvolvidas. Por outro lado, homens são mais autoconfiantes e sabem gerenciar melhor situações de estresse. Sou a favor de que as mulheres sejam promovidas a cargos de chefia, claro, mas a avaliação deve passar longe do gênero.

ÉPOCA – O senhor se considera responsável de alguma maneira pelas distorções associadas ao conceito de inteligência emocional?
Goleman –
Ajudei a popularizar o termo, lancei-o ao mundo e é natural que ocorram desvios. Mas é entristecedor ver gente usando o conceito da maneira que mais lhe agrada, mesmo que não tenha nada a ver com a ideia original. Não posso responder pela livre e equivocada interpretação dos outros. O que está a meu alcance? Explicar para cada pessoa no mundo que a inteligência emocional não pode ser instrumento de autoindulgência nem desculpa para a falta de esforço? Impossível. Apesar disso, hoje, 15 anos depois, avalio os prós e os contras e vejo que o saldo dessa conta ainda é positivo. Cada vez que viajo para um lugar diferente fico feliz em saber que minhas ideias ajudaram a tornar o ambiente de trabalho mais saudável. Muita gente me conta que aprendeu a se relacionar melhor com outras pessoas depois de ler meu livro. Isso é recompensador.

ÉPOCA – O senhor é emocionalmente inteligente?
Goleman –
Nunca medi, mas acredito muito na opinião das outras pessoas. Não vou dizer qual é essa opinião. Isso você tem de perguntar a minha mulher.