segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

As respostas que vêm dos sonhos

Formações oníricas são modos de pensar em nossas preocupações capaz de favorecer a inspiração

por Deirdre Barrett


Há muito tempo os teóricos vêm tentando explicar a razão dos sonhos. Sigmund Freud mostrou que essas formações psíquicas expressam basicamente desejos reprimidos, ou seja, impulsos sexuais infantis e agressivos, e podem ser um caminho privilegiado para instâncias da mente às quais não costumamos ter acesso. Há também casos em que elas nos ajudam a elaborar vivências traumáticas ou situações relacionadas a disputas narcisistas, podendo surgir como compensação de sentimentos de inferioridade – o que também se enquadraria na satisfação de desejos. Recentemente, médicos e psicólogos propuseram que os sonhos simulam ameaças ou ajudam a consolidar memórias – hipóteses que não põem em xeque a genialidade das constatações freudianas. Nenhuma teoria, porém, é suficientemente abrangente para dar conta de tantas nuances que caracterizam alguns sonhos. Exatamente como nosso pensamento oscila entre reminiscências, planejamento, reflexão etc., quando acordados, o sonho também engloba vários desdobramentos.



Antigos teóricos acreditavam que nos lembrávamos de tudo o que sonhávamos – algo que hoje sabemos não ser verdade. Várias hipóteses propunham que as pessoas sonhavam apenas quando alguma situação específica disparava um conjunto de sensações distintas – desejo sexual, por exemplo, ou ego ferido. Nos anos 50, no entanto, estudos inovadores realizados por Eugene aserinsky e Nathaniel Klietman, ambos da Universidade de chicago, mostraram que sonhamos muito mais do que provavelmente conseguimos recordar. Os dois pesquisadores descobriram que o sono é formado por ciclos de aproximadamente 90 minutos – cada um com um período de rápido movimento ocular (REM, na sigla em inglês) e intensa atividade cerebral.

Quando as pessoas são despertadas perto do fim do período REM, elas se referem, em média, a cinco sonhos por noite. A discrepância entre os relatos daqueles que foram despertados logo depois da fase REM e de outros acordados mais tarde levou os cientistas a concluir que os sonhos quase sempre acompanham essa etapa do sono, mesmo que as pessoas não se lembrem deles pela manhã.

Nas duas últimas décadas, a tomografia de emissão de pósitrons (pET, na sigla em inglês) permitiu visualizar áreas do cérebro mobilizadas durante o sonho. Uma das coisas que os especialistas notaram num primeiro momento foi que durante o sono é mais fácil “ligar” e “desligar” certas áreas neurais que outras. Partes do córtex associadas a imagens visuais e percepção do movimento são ativadas até mais fortemente que quando estamos acordados, assim como acontece com certas regiões profundas do cérebro associadas à emoção. Em contraposição, o córtex pré-frontal dorsolateral é menos solicitado durante o sono e está mais associado à ação volitiva e à capacidade de avaliar o que é lógico e socialmente apropriado. Os resultados das tomografias se ajustam bem às características dos sonhos. Relatos de experiências oníricas quase sempre apresentam imagens associadas a movimento. As descobertas a respeito das regiões préfrontais estão em perfeito acordo com a ideia de que nos sonhos há “menos censura” – não só no sentido da repressão da sexualidade e dos impulsos agressivos, mas também na filtragem de cenários que parecem ilógicos ou anormais.

Uma mãozinha para os sonhos

Sonhar intencionalmente com determinado problema – processo chamado de incubação – aumenta as chances de vislumbrarmos pistas para resolvê-lo. O termo “incubação” foi tomado por empréstimo de antigas práticas gregas executadas no templo de Esculápio (ou Asclépio), onde, em sonho, os doentes buscavam curar suas enfermidades. A psicologia occidental sugere que podemos procurar interferir nesse processo de forma consciente seguindo alguns passos:

1) Na hora de dormir, escreva resumidamente a questão que o aflige, de preferência numa frase curta, e coloque a anotação perto da cama. Mantenha também papel e caneta – e até uma lanterna ou luminária – ao lado dela.

2) Imagine-se sonhando com a situação que deseja resolver, acordando e anotando tudo num papel. Recapitule o problema por vários minutos antes de se deitar.

3) Já deitado, pense no problema que quer resolver, se possível evocando uma imagem concreta, uma cena.

4) Enquanto começa a adormecer, repita para si mesmo que quer sonhar com essa questão.

5) Ao despertar, permaneça imóvel por alguns segundos antes de se levantar. Tente se lembrar de ter sonhado e recapitule ao máximo os detalhes do sonho.

6) Escreva tudo de que se lembrar. Primeiro registre as palavras-chave que expressem o que for mais importante, depois inclua outras informações.

UMA DICA: Se quiser adotar um procedimento mais elaborado, disponha objetos relacionados ao problema na mesinha de cabeceira ou na parede em frente à cama (se estiver em dúvida sobre um relacionamento, por exemplo, use uma foto da pessoa com quem está envolvido). Mais que a presença desse tipo de objeto, o ritual e a concentração ajudam a estabelecer o foco de atenção.

Pesquisas mostram que em breve as pessoas aprenderão a dirigir produções psíquicas – e, por que não, também bioquímicas – para encontrar soluções. Afinal, dois Prêmios Nobel se inspiraram assim. Mas se você decidir deixar seu cérebro ressonando em paz, preste atenção: depois de adormecer, é muito provável que o estado alterado de consciência já esteja trabalhando a todo vapor. Mesmo que você não perceba.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

sábado, 14 de janeiro de 2012

Inteligência emocional não é tudo

O americano que popularizou um dos conceitos mais inovadores da psicologia diz que suas ideias foram distorcidas e banalizadas


INDULGÊNCIA, NÃO O americano Daniel Goleman, que popularizou o conceito de inteligência emocional. Ele não  acha que simpatia basta para obter sucesso:  “O esforço é fundamental”  (Foto: divulgação)

Há 16 anos, quando lançou o livro Inteligência emocional, Daniel Goleman, de 65 anos, transformou a área de psicologia nas empresas, ao contrariar a ideia de que o Q.I. era a melhor maneira de testar as habilidades humanas. No livro, Goleman popularizou a tese de que o talento para cativar colegas de trabalho e motivar equipes é tão ou mais importante que habilidades cognitivas, como memória ou talento para a resolução de problemas. Partindo dessa premissa, as principais companhias do mundo adotaram o conceito para criar ambientes de trabalho mais agradáveis e menos agressivos – e as famílias passaram a olhar com otimismo para o garoto ruim de matemática, mas excelente em fazer amigos. Hoje, Goleman afirma que o conceito de inteligência emocional ganhou uma conotação indulgente e preguiçosa. “Basta entrar na internet para ver como há especialistas vendendo a ideia errada sobre o assunto”, disse Goleman a ÉPOCA. “As pessoas passaram a acreditar que a habilidade para se relacionar encobriria qualquer falha técnica.” A seguir, a entrevista com ele.

O Q.I. é muito importante
para conquistar um emprego. A inteligência emocional é fundamental para crescer na profissão

ÉPOCA – Por que o senhor diz que as pessoas não entenderam o conceito de inteligência emocional?
Daniel Goleman –
Existe muito especialista vendendo a ideia errada sobre a habilidade de usar as emoções a seu favor e de compreender as outras pessoas. Não me atrevo a citar nomes, mas basta você entrar na internet para ver como existem equívocos sobre esse assunto. Essas pessoas dizem que a inteligência emocional é responsável por 80% do sucesso. Mas, na realidade, isso não é verdade. Elas estão distorcendo o conceito e suas implicações na carreira e na vida pessoal. Estão manipulando os dados das pesquisas que usei em meu livro Inteligência emocional, de 1995, que colocou o termo em voga. A inteligência emocional não é tudo.

ÉPOCA – Qual é sua verdadeira importância?
Goleman –
Os pesquisadores concluíram que o quociente intelectual (Q.I.), uma medida das habilidades de raciocínio, é responsável por algo entre 10% e 20% do sucesso profissional. Isso significa que os outros 80% são influenciados por diversos fatores, como o tipo de formação, o apoio da família e até a sorte. A inteligência emocional está nesse bolo também, é só mais um elemento do grupo. É uma grande bobagem achar que ela resolve tudo. Mas, como as pessoas precisam acreditar em maravilhas, apegam-se a isso.

ÉPOCA – Por que esse conceito se tornou atraente?
Goleman –
A inteligência emocional é uma habilidade que pode ser aprimorada. As pessoas podem aprender a controlar suas emoções. É um conforto saber que essa forma de inteligência, apontada como fundamental para se tornar um alto executivo, é algo que você pode controlar, que depende do seu esforço. O Q.I. é uma inteligência genética, imutável. Uma pessoa de baixo Q.I. será sempre uma pessoa de baixo Q.I. Por isso, com base no conceito de inteligência emocional, podemos pensar que nem tudo está perdido caso não sejamos privilegiados com um alto Q.I.. Esse pensamento tem um fundo de verdade e nos permite ter mais esperança – mas não pode ser usado como consolo para tudo.

ÉPOCA – Dizer que o Q.I. é tão importante e imutável não soa como discriminação?
Goleman –
O Q.I. importa muito para saber que carga de complexidade podemos assumir em nosso emprego. Um alto executivo ou um físico normalmente precisam ter um Q.I. mais elevado. A inteligência emocional só entra em cena depois, quando esses profissionais já conquistaram um emprego e se firmaram desempenhando suas funções. Nesse estágio, a inteligência emocional – a maneira como eles vão encarar as tarefas e lidar com seus chefes e subalternos – se torna importante para determinar o quanto mais eles subirão na carreira.

ÉPOCA – Então o conceito de inteligência emocional é usado para encobrir falhas em outros tipos de competência?
Goleman –
Sim, em alguns casos. Por exemplo: hoje sabemos que um aluno disléxico, com problemas para ler e escrever, pode ter notas baixas na escola por causa dessa dificuldade. Mas isso não significa que ele não terá sucesso na vida. Ele pode se tornar um profissional formidável na vida adulta por causa de seu traquejo social, de sua
perseverança e de sua capacidade de produzir fortes alianças, o que fará dele um homem de negócios brilhante. O problema é que costumam interpretar casos como esse de uma maneira preguiçosa, como se eles não tivessem de se esforçar para ter competências técnicas, de raciocínio. A inteligência emocional se encarregaria de trazer sucesso profissional. Ninguém vai longe única e exclusivamente por causa da inteligência emocional. Nunca disse isso.

ÉPOCA – O senhor quer dizer que o conceito de inteligência emocional deu a ilusão de que é possível vencer sendo preguiçoso?
Goleman –
É importante deixar claro que esse conceito não é desculpa para a preguiça. Quem o conhece bem sabe disso. Alguém emocionalmente inteligente tem quatro características básicas: traquejo social, autoconhecimento, empatia e, acima de tudo, perseverança. Nas empresas, o conceito de inteligência emocional virou moda, e isso não trouxe consequências negativas. Pelo contrário: ajudou a criar ambientes mais agradáveis e produtivos. Pelo que tenho observado nos Estados Unidos, em países da América Latina, Europa e Ásia, os executivos são contratados, quase sempre, por seu talento e inteligência, mas na maioria das vezes são demitidos por problemas de relacionamento. Poucas vezes por incompetência. As empresas especializadas em recrutamento têm procurado saber, nas demissões por problemas de comportamento, o que exatamente causou a demissão, para não cometer o mesmo erro nas próximas indicações de profissionais.

ÉPOCA – Mas privilegiar um funcionário com mais traquejo social do que capacidade intelectual não acarreta queda de produtividade?
Goleman –
As empresas não estão abrindo mão da inteligência e do talento em nome da boa convivência. Elas estão aliando bem os dois conceitos. Sabem que, se compararem duas pessoas com o mesmo Q.I., mas com diferentes quocientes emocionais, certamente o profissional mais agradável e controlado irá mais longe. O que faz um profissional inteligente se tornar brilhante é o fato de saber cativar os outros, ser um líder que motiva.

ÉPOCA – Esse é um aprendizado que deve começar cedo?
Goleman –
Acredito piamente nisso. Não vejo o controle de emoções como algo negativo. Não se trata de tolher ninguém, mas de ensinar como lidar com emoções que existem. Conceitos como autocontrole, senso de responsabilidade e o desenvolvimento da autoestima podem ser ensinados tanto a uma criança de 8 anos quanto a um adolescente de 16 anos. Tenho visto instituições que já começam a ensinar esses conceitos na pré-escola e acho isso formidável. É uma ótima fase para se incutir esses pensamentos. Há programas para encaixar essa matéria na grade curricular normal e não leva mais de uma semana para os professores aprenderem a ensinar os alunos. Mas essas escolas são minoria. Ainda não dá para imaginar que a inteligência emocional vá ser ensinada com matemática ou idioma pátrio.

ÉPOCA – Muitos especialistas justificam a ascensão das mulheres no mercado de trabalho porque elas teriam mais inteligência emocional que os homens. Eles estão certos ou é outra distorção do conceito?
Goleman –
Estudos têm mostrado que as mulheres têm maior inteligência emocional que os homens, mas não sei até que ponto isso é verdade. É preciso tomar cuidado com generalizações. As pesquisas sugerem que as mulheres têm habilidades como empatia mais desenvolvidas. Por outro lado, homens são mais autoconfiantes e sabem gerenciar melhor situações de estresse. Sou a favor de que as mulheres sejam promovidas a cargos de chefia, claro, mas a avaliação deve passar longe do gênero.

ÉPOCA – O senhor se considera responsável de alguma maneira pelas distorções associadas ao conceito de inteligência emocional?
Goleman –
Ajudei a popularizar o termo, lancei-o ao mundo e é natural que ocorram desvios. Mas é entristecedor ver gente usando o conceito da maneira que mais lhe agrada, mesmo que não tenha nada a ver com a ideia original. Não posso responder pela livre e equivocada interpretação dos outros. O que está a meu alcance? Explicar para cada pessoa no mundo que a inteligência emocional não pode ser instrumento de autoindulgência nem desculpa para a falta de esforço? Impossível. Apesar disso, hoje, 15 anos depois, avalio os prós e os contras e vejo que o saldo dessa conta ainda é positivo. Cada vez que viajo para um lugar diferente fico feliz em saber que minhas ideias ajudaram a tornar o ambiente de trabalho mais saudável. Muita gente me conta que aprendeu a se relacionar melhor com outras pessoas depois de ler meu livro. Isso é recompensador.

ÉPOCA – O senhor é emocionalmente inteligente?
Goleman –
Nunca medi, mas acredito muito na opinião das outras pessoas. Não vou dizer qual é essa opinião. Isso você tem de perguntar a minha mulher.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

QUAL A SUA RELAÇÃO COM A TECNOLOGIA?

Numa sociedade que está tecnologicamente a avançar rapidamente (pelo menos comparando com o ritmo de Eras recentes) e, com isso, a transformar as nossas vidas (quem é que não tem celular? E computador?) começaram a surgir diversos movimentos: uns a favor da tecnologia ao serviço do homem, outros a favor da condenação e destruição das máquinas e por aí adiante.

Reunimos aqui algumas das principais correntes. Você identifica-se com alguma delas?

CATASTROFISMO - embora defenda a tecnologia, este movimento vive com medo de um cataclismo global do tipo "bomba nuclear" devido aos avanços da Ciência e da Tecnologia e que teve o seu apogeu durante a Guerra Fria. Foi uma época que se inciou nos anos 50 e que fez temer um confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética tendo atingido o seu momento crítico com a tentativa de envio de armas nucleares por parte dos sovietes para Cuba. Deu origem a numerosas seitas como a liderada por Royce Elms (líder da Primeira Igreja Pentecostal de Amarillo) que acreditava que a América ia ser alvo de um ataque nuclear por desígnio de Deus(!).

TRANS-HUMANISMO - segundo os seus princípios, a tecnologia deve estar ao serviço do Homem e o seu progresso só poderá conduzir-nos para uma sociedade mais evoluída e feliz (combate mais eficaz de doenças, deslocações mais fáceis e menos caras graças a novos tipos de aviões, automóveis e outros meios de transporte, uso para fins pacíficos da inteligência artificial, desenvolvimento de robots inteligentes e servis, criação de próteses que facilitem a vida de pessoas incapacitadas devido a doenças cardiovasculares, neurológicas e acidentes, etc).

SINGULARITANISMO - os seus seguidores vão mais longe do que os anteriores e acreditam que o homem será capaz de desenvolver sistemas super-inteligentes, ou seja, mais inteligentes que ele próprio. Os seus opositores, os ECO-ANARQUISTAS (ver em baixo), acreditam que os interesses militares e industriais envolvidos no desenvolvimento tecnológico constituem um perigo a considerar. A propósito: em 2009, a NASA, a Google e outras empresas, criaram a Singularity University, na Califórnia, onde se preparam os líderes da próxima Era Tecnológica baseada na inteligência artificial (o custo dos cursos ronda os 25 mil dólares). O termo "singularidade" foi criado por Vernor Vinge, em 1993, para descrever o momento em que os computadores ultrapassarão as capacidades do cérebro humano. Diga-se, de passagem, que quanto a atividades lógico-matemáticas, já há computadores com super memórias e dotados de raciocínio exato (o chamado "paradoxo de Moravec" afirma que raciocinar exige pouca computação e por isso é matematicamente possível tornar um computador super inteligente; alguns já simulam comportamentos emocionais). Vantagem: o que se aprende na construção destas máquinas pode ter aplicação prática na medicina, o que levou, por exemplo, à criação de próteses impensáveis há 10 anos). Este é o movimento mais pujante na atualidade. Ver a universidade acima citada em: http://singularityu.org/.

TECNOPROGRESSIVISMO - este movimento defende que a tecnologia deve estar ao serviço da distribuição justa dos seus custos, riscos e benefícios sem o que o conhecimento não representa qualquer avanço. Os seus membros mais radicais apoiam o direito de cada pessoa modificar o seu corpo e a própria mente com o recurso à ciência.

Contra estes movimentos - que os espíritos mais cépticos chamam de "tecno-utopistas" ou "tecno-idealistas - existem três grandes grupos:

- OS BIOCONSERVADORES (ou bioludistas), herdeiros de movimento social do século XIX, que se opõem à substituição da mão-de-obra humana por máquinas por recearem que a tecnologia possa ameaçar a ordem social;

- OS ECO-ANARQUISTAS, que se opõem aos "singularitanos" (ver acima SINGULARITANISMO) e que acreditam em teorias de conspiração desenvolvidas pelos governos das nações mais poderosas, dos militares e das grandes corporações industriais; e

- OS PRIMITIVISTAS, que se opõem a todo o progresso tecnológico e defendem o regresso do homem aos modos de vida de há 10 mil anos baseados na caça, na pesca e na apanha de frutas e outros vegetais para alimento das comunidades humanas.

Nelson Lima

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Outro paradigma: escutar a natureza

Agora que se aproximam grandes chuvas, inundações, temporais, furacões e deslizamentos de encostas temos que reaprender a escutar a natureza. Toda nossa cultura ocidental, de vertente grega, está assentada sobre o ver. Não é sem razão que a categoria central – idéia – (eidos em grego) significa visão. A tele-visão é sua expressão maior. Temos desenvolvido até os últimos limites a nossa visão. Penetramos com os telescópios de grande potência até a profundidade do universo para ver as galáxias mais distantes. Descemos às derradeiras partículas elementares e ao mistério íntimo da vida. O olhar é tudo para nós. Mas devemos tomar consciência de que esse é o modo de ser do homem ocidental e não de todos.


Outras culturas, como as próximas a nós, as andinas (dos quéchuas e aimaras e outras) se estruturam ao redor do escutar. Logicamente eles também veem. Mas sua singularidade é escutar as mensagens daquilo que veem. O camponês do antiplano da Bolívia me diz: “eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz”. Falando com um xamã, ele me testemunha: “eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando”. Tudo fala: as estrelas, o sol, a lua, as montanhas soberbas, os lagos serenos, os vales profundos, as nuvens fugidias, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar atentamente estas vozes. Livros não são importantes para eles porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram de tal forma nesta escuta que sabem, ao ver as nuvens, ao escutar os ventos, ao observar as lhamas ou os movimentos das formigas o que vai ocorrer na natureza.

Isso me faz lembrar uma antiga tradição teológica elaborada por Santo Agostinho e sistematizada por São Boaventura na Idade Media: a revelação divina primeira é a voz da natureza, o verdadeiro livro falante de Deus. Pelo fato de termos perdido a capacidade de ouvir, Deus, por piedade, nos deu um segundo livro que é a Bíblia para que, escutando seus conteúdos, pudéssemos ouvir novamente o que a natureza nos diz.

Quando Francisco Pizarro em 1532 em Cajamarca, mediante uma cilada traiçoeira, aprisionou o chefe inca Atahualpa, ordenou ao frade dominicano Vicente Valverde que com seu intérprete Felipillo lhe lesse o requerimento,um texto em latim pelo qual deviam se deixar batizar e se submeter aos soberanos espanhóis, pois o Papa assim o dispusera. Caso contrário poderiam ser escravizados por desobediência. O inca lhe perguntou donde vinha esta autoridade. Valverde entregou-lhe o livro da Bíblia. Atahaualpa pegou-o e colocou ao ouvido. Como não tivesse escutado nada jogou a Bíblia ao chão. Foi o sinal para que Pizarro massacrasse toda a guarda real e aprisionasse o soberano inca. Como se vê, a escuta era tudo para Atahualpa. O livro da Bíblia não falava nada.

Para a cultura andina tudo se estrutura dentro de uma teia de relações vivas, carregadas de sentido e de mensagens. Percebem o fio que tudo penetra, unifica e dá significação. Nós ocidentais vemos as árvores mas não percebemos a floresta. As coisas estão isoladas umas das outras. São mudas. A fala é só nossa. Captamos as coisas fora do conjunto das relações. Por isso nossa linguagem é formal e fria. Nela temos elaborado nossas filosofias, teologias, doutrinas, ciências e dogmas. Mas esse é o nosso jeito de sentir o mundo. E não é de todos os povos.

Os andinos nos ajudam a relativizar nosso pretenso “universalismo”. Podemos expressar as mensagens por outras formas relacionais e includentes e não por aquelas objetivísticas e mudas a que estamos acostumados. Eles nos desafiam a escutar as mensagens que nos vem de todos os lados.

Nos dias atuais devemos escutar o que as nuvens negras, as florestas das encostas, os rios que rompem barreiras, as encostas abruptas, as rochas soltas nos advertem. As ciências na natureza nos ajudam nesta escuta. Mas não é o nosso hábito cultural captar as advertências daquilo que vemos. E então nossa surdez nos faz vitimas de desastres lastimáveis. Só dominamos a natureza, obedecendo-a, quer dizer, escutando o que ela nos quer ensinar. A surdez nos dará amargas lições.

Leonardo Boff

Felicidade e sucesso começam com um sonho

Cuide de sua saúde mental!!!

Quer sentir-se realizado e feliz?