O Instituto Ser Pensador destaca as matérias de especialistas do mundo, que fazem parte do programa de coaching, nesta oportunidade o psicoterapeuta George Szeneszi fala sobre a Inteligência sem emoção não funciona, é o que sempre dizemos um pássaro não voa apenas com uma asa, e nós não podemos usar apenas um dos lados do cérebro, confira a entrevista à Isto é:
O psicoterapeuta George Vittorio Szenészi diz como a capacidade de lidar bem com os sentimentos ajuda a ter sucesso na carreira e assegura que as empresas que constroem ambientes harmoniosos são mais produtivas
A maioria dos estudos realizados para descobrir o perfil do profissional de sucesso revela que ele deve ser capaz de se relacionar bem com os companheiros de trabalho. Isso implica habilidade para ouvir, falar de maneira clara, evitar rompantes de irritação ou outras situações desagradáveis e compreender as emoções do outro. Ou seja, ter o que os especialistas chamam de inteligência emocional no trabalho. Afinal, não basta mais apenas ser um profissional com excelente conhecimento sobre sua área. É preciso saber lidar com suas emoções – e com a dos outros – para que o desempenho seja melhor.
Trata-se de um conceito cada vez mais debatido no mundo do trabalho. Está comprovado que quanto mais os funcionários trabalham em harmonia, maior a produtividade. Consequentemente, mais significativos são os lucros. “Estamos assistindo a uma mudança importante. No passado, montadoras como a Ford e a Volvo tiveram influência como modelos no processo produtivo. Hoje, grandes empresas de tecnologia estão estabelecendo novos exemplos para as organizações humanas”, diz o psicoterapeuta George Vittorio Szenészi, 64 anos. Consultor, participante de programas e palestras de desenvolvimento para executivos e profissionais e coaching emocional – ajuda na administração de emoções no desempenho pessoal e profissional –, ele deu a seguinte entrevista à ISTOÉ, de seu consultório, em Florianópolis (SC).
No que se concentram os estudos de inteligência emocional?
George- Eles buscam entender o peso e os efeitos que as emoções têm na habilidade de cada um para lidar com o cotidiano pessoal e profissional.
Qual a relação do conceito com o mundo do trabalho?
George -Os estudos apontam que os sentimentos, os valores e as preferências individuais e os relacionamentos têm impacto fundamental na vida pessoal e profissional. Indicam ainda que a performance não depende apenas do quociente de inteligência (QI): pessoas com QI alto podem ter menos sucesso no trabalho do que aqueles com QI inferior à média.
O que caracteriza um profissional sem inteligência emocional para o trabalho?
George -Pessoas com inteligência emocional pouco desenvolvida têm dificuldade para estabelecer uma relação harmônica com os outros. Podem ser incapazes de ouvir. E esse é um grande desafio – elas têm imensa dificuldade para abrir mão temporariamente de suas convicções apenas para entender os outros.
Há outras marcas?
George -É comum não reconhecerem suas emoções. E essa habilidade é fundamental para um bom profissional. Ele deve saber quando está sob o domínio de sentimentos e que, por isso, precisa evitar decisões, adequar comportamentos e mudar atitudes. Uma pessoa em estado de euforia, irritação ou frustração não está em condição emocional própria para tomar decisões.
Qual a relação entre as emoções e as decisões?
George- Há ligações entre os circuitos cerebrais responsáveis pelo processamento das emoções e os circuitos do raciocínio e da tomada de decisões. O que podemos afirmar é que inteligência sem emoção não funciona.
Por quê?
George - As emoções fornecem os critérios norteadores do processo racional. Toda decisão se dá num “molho emocional” no qual se situam as preferências, os impactos das experiências passadas, os valores pessoais e organizacionais, critérios como urgência ou qualidade. Não existe inteligência efetiva sem vida emocional efetiva. Pessoas emocionalmente instáveis tomam decisões, frequentemente, inadequadas.
Como age um profissional com pouca inteligência emocional no relacionamento com os colegas de trabalho?
George- Ele possivelmente não sabe lidar de maneira compreensiva com a emoção dos outros. Enxerga mais a si do que o outro. Muitos têm dificuldade de saber quando o outro está num momento para ouvi-lo e perdem excelentes oportunidades para se calar – e falam, sem perceber que sua fala não está chegando ao principal “órgão decisor” de qualquer um – o coração.
Por que parece haver tantos indivíduos com baixa inteligência emocional em cargos de chefia?
George - Há alguns fatores envolvidos nisso. Se sou um diretor de uma empresa e não tenho sensibilidade para essa questão, não vou reparar que um gerente meu, por exemplo, não trata bem sua equipe. Em geral, essas pessoas trazem resultados, o que faz com que a companhia releve sua dificuldade de relacionamento. Mas aí reside um grande equívoco. Se o gerente usasse mais sua inteligência emocional, sua equipe produziria mais com menos estresse, com mais energia e utilizando seu tempo com maior eficácia.
O que o subordinado de um chefe sem QI emocional pode fazer?
George - Ele deve usar a sua inteligência emocional para entender como seu superior funciona, o que precisa fazer para ser ouvido, como criar momentos para tratar do tema que deseja.
As empresas estão mais atentas ao peso dos sentimentos no desempenho de seus funcionários?
George - Estão mais atentas a certos aspectos da questão, como os relacionamentos, a solução de conflitos e o desenvolvimento de lideranças. Não me parece que olhem especificamente para os sentimentos, a não ser nas pesquisas de satisfação no trabalho, que com frequência geram mais relatórios que medidas efetivas. Olham para a motivação, mas nessa área boa parte ainda busca correções por meio de “palestras de motivação”. Desconhecem que a motivação que faz diferença é a oriunda das preferências, dos desejos pessoais e dos estilos de cada um, e não de um palestrante que transfere o seu entusiasmo para os ouvintes.
O que as companhias perdem em não contemplar esse aspecto?
George - Perdem sua energia – a disposição de cada colaborador – , seu tempo – mal usado pelos desgastes humanos e menor qualidade do trabalho – , e seu dinheiro, investido nas pessoas que oferecem menos do que poderiam. Se uma companhia constrói um ambiente que auxilia seus colaboradores a lidar com seu lado emocional – o que significa ajudá-los a saber o que fazer com as emoções ruins, a ouvir, a falar, a compreender o outro, a desenvolver a paciência – , certamente irá crescer muito mais. Se o ser humano ficar mais livre para expressar sua alegria e bom humor, seu afeto e prazer com coisas da vida organizacional, a sua criatividade, inventividade, flexibilidade e a saúde física e mental terão ganhos extraordinários.
Há como medir o que elas ganhariam investindo no fortalecimento emocional dos funcionários?
George - É difícil mensurar. Mas cerca de 70% dos problemas têm relação com dificuldades de comunicação, por exemplo. Muitos chefes não sabem ouvir, não têm clareza na comunicação, distorcem informações, funcionam mais por julgamentos do que por observações, valem-se da autoridade mais do que da persuasão informada, buscam a obediência mais do que o compromisso da equipe. Porém, em equipes que trabalham seu equilíbrio emocional, a produtividade é maior.
O que leva uma pessoa a não desenvolver inteligência emocional?
George- Temos que entrar na história das emoções para chegar a essa questão. Trata-se de um processo que começou a ser desenvolvido há milhões de anos a fim de garantir respostas rápidas para a sobrevivência da espécie. A emoção é uma reação do corpo em resposta a eventos da vida. Reagimos com emoções quando estamos diante de situações interpretadas pelo cérebro como oportunidades que apoiam a vida pessoal e a continuidade do indivíduo e da espécie ou como ameaças à sua integridade. São alarmes que avisam e nos predispõem para a ação. Quando agradáveis, nos dizem para continuar. Quando desagradáveis, nos avisam que algo ameaça a integridade da vida ou da continuidade da espécie. Foram úteis no tempo dos predadores e das forças desconhecidas da natureza. A construção da civilização interferiu nisso.
De que maneira?
George - As sociedades criaram normas de “boa educação”, incluindo a regulação da manifestação das emoções. A raiva, o medo, o amor, começaram a ser mediados pelos códigos de boa conduta e até pela religião. Quando o bebê começa a manifestar raiva, por exemplo, é ensinado com um tapa na mão que não pode ter esses acessos.
Qual a consequência disso?
George - O ser humano desenvolveu outras formas de ter sua vida emocional. Descobriu que podia ter medo e raiva, mas sem mostrar. E criou emoções substitutas, socialmente aceitas. Em vez da raiva, surgiram o ressentimento, a mágoa, a irritação e o ódio, às vezes o ciúme ou a arrogância. Para substituir o medo veio a ansiedade, a indecisão. No lugar da tristeza, a saudade, a solidão.
Esses sentimentos são piores do que os outros?
George - Sim. As emoções naturais, como a raiva, a alegria, são intensas. Surgem, ativam o corpo para reagir e desaparecem. As que as substituem são menos intensas, porém ficam por dias, meses, anos. Os sentimentos substitutos continuam lá, nos pedindo para serem trabalhados para que possam chegar ao fim. Eles impedem que os eventos que os guardam na memória sejam integrados ao acervo de experiências que geram a autonomia, a flexibilidade e as capacidades que aumentam nossa habilidade de lidar com a vida.
Por que alguns têm mais inteligência emocional do que outros?
George - Faz parte da educação que cada um teve na infância. Crianças que foram ensinadas a lidar com as emoções, para as quais foi permitido que os sentimentos naturais viessem à tona e ao mesmo tempo aprenderam a administrar essas emoções colocando-as sob a orientação do respeito a si, ao outro e à coletividade, tornam-se adultos com maior inteligência emocional. As que foram criadas ouvindo regras que impediram a manifestação dos sentimentos apresentam mais dificuldade de lidar com seus estados emocionais.
Como usar as emoções de maneira adequada?
George - Temos que aprender a capacidade de fazer uma emoção desagradável desaparecer rapidamente. Veja o problema da indecisão: não é a análise das alternativas que vai fornecer a solução. O problema é a indecisão em si, que é um medo não expresso. Elimine o sentimento da indecisão e a sua mente, acalmada, ficará livre do medo oculto e você tomará a melhor decisão.
Quais os métodos que ajudam a fazer isso?
George - Há técnicas e práticas como a meditação capazes de dissipar sentimentos ruins muito rapidamente. Elas ajudam a olhar para o evento da forma que teria acontecido se tudo tivesse dado certo.
Por Cilene Pereira para a Revista Isto é Edição 2173
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Esperanças
O mestre Tostão escreveu neste último domingo sobre jovens jogadores que se perdem na carreira e na vida, e com extremo equilíbrio e seriedade (peculiar a seu caráter) afirmou que essa pessoa necessita de ajuda especializada. É nesse momento que entra em cena a mais fantástica ferramenta já criada que dispomos na atualidade: o Coaching. Quando perdemos a missão, visão, valores e propósito, perdemos o sentido para a trabalhar e viver; assim como aconteceu com o goleiro Bruno, Jobson e pode acontecer com outros. A concretização do sonho se dissipa. Mais uma vez Tostão está correto, é necessário ajuda especializada.
Futebol é mais que saber apenas utilizar as pernas, é preciso utilizar a mente.
Por Tostão
Jobson cometeu mais uma indisciplina e foi afastado do Bahia. Segundo o noticiário, tinha de chegar às 22h na concentração. Chegou às 6h do dia seguinte. A noite deve ter sido emocionante. No Botafogo, no Atlético e no próprio Bahia, teve condutas parecidas. Neste ano, por ter feito mais de seis jogos pelo Bahia, Jobson, excelente atacante, não poderá atuar na Série A do Campeonato Brasileiro.
No futebol, há muitos Jobsons. No passado, eram mais frequentes. Faziam parte do folclore e do romantismo. Eram menos punidos. No Cruzeiro, no início dos anos 60, antes da inauguração do Mineirão, havia um centroavante que só fazia gols se fugisse da concentração para se encontrar com a amada, uma prostituta. Outro, sempre que estava jogando bem, desaparecia. Semanas depois, aparecia com uma fantasiosa e comovente história. Matou, várias vezes, todos os parentes.
Esses Jobsons, desajustados, inadaptados ao futebol e à vida, incapazes de conviver, reprimir e sublimar seus instintos e indesejáveis desejos, precisam de diagnósticos e de tratamentos corretos, feitos por quem entende do assunto. Não podem ser tratados por curiosos, amigos, treinadores nem por médicos de outras especialidades.
Os tapinhas nas costas e os comentários, bem intencionados, de que são incompreendidos e que não tiveram carinho contribuem para não procurarem tratamento. Sentem-se vítimas e acham que são os outros os culpados de todos os seus problemas.
Os atletas, por conviverem com o fracasso e o sucesso, têm mais dificuldades na vida. "Ninguém está preparado para a fama". Quem disse isso não foi nenhum filósofo grego. Foi Dirceu Lopes, cracaço do Cruzeiro nos anos 60, um jovem equilibrado. Por falar em filósofo, desejo ótima recuperação a outro cracaço, o pensador Sócrates.
Acrescento que poucos estão preparados para a vida e, muito menos, para a morte. O ser humano, por causa do narcisismo, de se achar muito importante e que tem uma grande missão na Terra, mesmo se for para ligar e desligar o computador e para acessar o Google, não suporta sua insignificância diante do mundo, da natureza nem a finitude de sua vida.
Nesta semana, assisti ao belo filme "Melancolia". Não pense que sou melancólico, pessimista. Adoro viver, do meu jeito. Sou realista, talvez um pessimista esperançoso. Tenho esperanças na saída de Ricardo Teixeira e de outros dirigentes, que estão há longo tempo no poder.
Futebol é mais que saber apenas utilizar as pernas, é preciso utilizar a mente.
Por Tostão
Jobson cometeu mais uma indisciplina e foi afastado do Bahia. Segundo o noticiário, tinha de chegar às 22h na concentração. Chegou às 6h do dia seguinte. A noite deve ter sido emocionante. No Botafogo, no Atlético e no próprio Bahia, teve condutas parecidas. Neste ano, por ter feito mais de seis jogos pelo Bahia, Jobson, excelente atacante, não poderá atuar na Série A do Campeonato Brasileiro.
No futebol, há muitos Jobsons. No passado, eram mais frequentes. Faziam parte do folclore e do romantismo. Eram menos punidos. No Cruzeiro, no início dos anos 60, antes da inauguração do Mineirão, havia um centroavante que só fazia gols se fugisse da concentração para se encontrar com a amada, uma prostituta. Outro, sempre que estava jogando bem, desaparecia. Semanas depois, aparecia com uma fantasiosa e comovente história. Matou, várias vezes, todos os parentes.
Esses Jobsons, desajustados, inadaptados ao futebol e à vida, incapazes de conviver, reprimir e sublimar seus instintos e indesejáveis desejos, precisam de diagnósticos e de tratamentos corretos, feitos por quem entende do assunto. Não podem ser tratados por curiosos, amigos, treinadores nem por médicos de outras especialidades.
Os tapinhas nas costas e os comentários, bem intencionados, de que são incompreendidos e que não tiveram carinho contribuem para não procurarem tratamento. Sentem-se vítimas e acham que são os outros os culpados de todos os seus problemas.
Os atletas, por conviverem com o fracasso e o sucesso, têm mais dificuldades na vida. "Ninguém está preparado para a fama". Quem disse isso não foi nenhum filósofo grego. Foi Dirceu Lopes, cracaço do Cruzeiro nos anos 60, um jovem equilibrado. Por falar em filósofo, desejo ótima recuperação a outro cracaço, o pensador Sócrates.
Acrescento que poucos estão preparados para a vida e, muito menos, para a morte. O ser humano, por causa do narcisismo, de se achar muito importante e que tem uma grande missão na Terra, mesmo se for para ligar e desligar o computador e para acessar o Google, não suporta sua insignificância diante do mundo, da natureza nem a finitude de sua vida.
Nesta semana, assisti ao belo filme "Melancolia". Não pense que sou melancólico, pessimista. Adoro viver, do meu jeito. Sou realista, talvez um pessimista esperançoso. Tenho esperanças na saída de Ricardo Teixeira e de outros dirigentes, que estão há longo tempo no poder.
sábado, 27 de agosto de 2011
Escutatório
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.
Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.
Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto...
Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.
Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.
Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.
Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto...
Autor: Rubens Alves / http://www.rubemalves.com.br/
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